Imagem: wunderblumen

 

No canto da sala, em uma parede delicadamente pintada de um azul suave, pendia um quadro que sempre chamava a atenção dela. Era uma pintura simples, mas repleta de significado: uma paisagem serena de um campo dourado ao pôr do sol, com uma única árvore solitária ao fundo. Os raios dourados do sol incidiam sobre a cena, trazendo à memória sensações antigas, guardadas em um lugar profundo de sua alma. Aquele quadro, com suas cores quentes e traços suaves, sempre parecia sussurrar algo para ela, algo que ela jamais conseguiu traduzir em palavras.

Sentada em sua poltrona preferida, ela observava a pintura, perdida em seus pensamentos. Havia algo naquele campo dourado que parecia estar sempre fora de alcance, como um segredo escondido entre as pinceladas. Era como se as palavras que precisavam ser ditas estivessem ali, na tela, escondidas entre os tons de amarelo e laranja, esperando pacientemente para serem descobertas.

O silêncio da sala era quase palpável. Não um silêncio incômodo, mas um silêncio cheio de presenças, de memórias que, embora não fossem tangíveis, enchiam o espaço de significados não ditos. As paredes, decoradas com outros quadros que ela havia colecionado ao longo dos anos, pareciam contar histórias, cada uma à sua maneira. Havia um retrato de uma mulher sentada à beira de um lago, uma cena de um pequeno vilarejo ao amanhecer, e uma aquarela abstrata que sempre a deixava intrigada. Mas nenhum deles tinha o mesmo efeito sobre ela como o campo dourado.

Enquanto olhava para o quadro, seus pensamentos começaram a vagar. Perguntava-se sobre as palavras que nunca foram ditas, as conversas que nunca aconteceram, os sentimentos que nunca foram expressos. Ao longo da vida, havia acumulado uma série de palavras não ditas, guardadas no fundo do coração, como segredos trancados em um baú. Palavras que poderiam ter mudado o rumo das coisas, que poderiam ter trazido paz, ou talvez mais confusão, mas que, por alguma razão, nunca encontraram seu caminho para fora.

Ela sabia que muitas das palavras não ditas eram fruto do medo — medo de não ser compreendida, de ser julgada, ou simplesmente de não saber como expressar o que sentia. O quadro, com sua beleza silenciosa, parecia refletir esse sentimento. A paisagem calma e tranquila era, na verdade, um espelho de suas próprias emoções, um reflexo de tudo que ela havia segurado ao longo dos anos.

Lembrava-se de momentos específicos em que as palavras lhe faltaram. Como quando, ainda jovem, sentiu uma dor profunda ao perder alguém querido, mas não soube como falar sobre aquilo. O quadro a fez pensar nas vezes em que quis dizer “eu te amo” ou “me desculpe”, mas acabou optando pelo silêncio, acreditando que o tempo resolveria as coisas por si só. E agora, vendo a árvore solitária no campo, se dava conta de que muitas dessas palavras ainda pesavam em seu coração, como uma bagagem que ela nunca havia realmente deixado para trás.

Mas o que a incomodava mais não eram apenas as palavras não ditas para os outros, mas as que ela nunca havia dito a si mesma. Era fácil aconselhar, confortar e até criticar, mas quando se tratava de olhar para dentro e reconhecer suas próprias necessidades, desejos e fraquezas, as palavras simplesmente desapareciam. Aquela árvore solitária, imponente no campo vasto, era um lembrete constante da solidão que ela às vezes sentia em sua própria companhia. Não era uma solidão externa, mas interna, uma sensação de que algo faltava, algo essencial que não sabia como preencher.

A medida que os pensamentos se aprofundavam, ela se perguntou se era tarde demais para começar a falar, para deixar as palavras saírem, mesmo que tardias. O quadro, que há anos estava ali, silencioso, parecia agora lhe dar uma permissão que ela não sabia que precisava. Era como se dissesse que nunca é tarde demais para encontrar as palavras, para expressar o que sempre esteve guardado.

Ela decidiu que, dali em diante, faria um esforço consciente para se abrir mais, para deixar que as palavras fluíssem, mesmo que de forma desajeitada. Afinal, a beleza da vida estava justamente na imperfeição, nos momentos em que as palavras falham, mas o sentimento ainda é compreendido. Aquele campo dourado, com sua árvore solitária, não era mais apenas uma pintura na parede. Agora, representava um novo começo, um ponto de partida para algo maior.

Sabia que o caminho não seria fácil. Afinal, anos de silêncio não são desfeitos em um único dia. Mas, enquanto continuava a olhar para o quadro, sentia uma nova determinação crescer dentro de si. A decisão de não deixar mais palavras não ditas pairarem sobre sua vida era libertadora. Havia algo poderoso na ideia de dar voz ao que sempre esteve mudo. E embora o medo ainda estivesse ali, ela sabia que não estava sozinha. As palavras que não haviam sido ditas ainda tinham tempo para ser expressas, e ela estava finalmente pronta para deixar que isso acontecesse.

Aquela sala, com suas paredes decoradas e o quadro que tanto significava para ela, se tornava agora um espaço sagrado, onde ela poderia começar essa nova fase de sua vida. Sentia que, assim como a árvore solitária no campo, poderia encontrar seu próprio lugar, enraizar-se onde quer que fosse, e deixar que sua própria história florescesse. As palavras que antes haviam sido presas agora começavam a se libertar, e ela sabia que, de alguma forma, isso a levaria a um futuro mais autêntico e realizado.